A Usucapião Familiar foi incorporada em nosso ordenamento Civil brasileiro em 2011, inscrita no artigo 1.240-A do Código Civil. A partir do novo dispositivo, é possível usucapir um bem imóvel em dois anos, desde que esteja caracterizado,dentre outros requisitos, a existência de união estável ou casamento e o posterior o abandono do lar por parte de um dos cônjuges. Como é sabido, a nova espécie deusucapião tem como alvo principal a família, que foi desestabilizada pela saída deum dos cônjuges ou companheiro. Deste modo, a lei busca proteger aquele que foiabandonado. Além disso, ao mesmo tempo, traz a tona a discussão da culpa pelaseparação,   que   fora   excluída   do   ordenamento   brasileiro   após   a   Emenda Constitucional 66/2010. Outrossim, o artigo 1.240-A traz requisitos questionáveis,como o curto lapso temporal para adquirir o direito, a exigência de copropriedadepelo usucapiente, bem como não esclarece qual o juízo competente para dirimir asquestões   judiciais.   Diante   de   tantas   indagações,   uma   análise   do   tema   éimprescindível,  para   se   buscar  as   respostas   a   cerca   das   dúvidas  trazidas  pelaUsucapião Familiar.

No presente estudo, será abordado o tema da usucapião familiar, conhecidatambém como usucapião pró-família, usucapião especial urbana por abandono dolar  e usucapião  conjugal. Essa  nova modalidade surgiu   em  nosso ordenamento jurídico com a Lei nº 12.424 de 16 de junho de 2011.O novo dispositivo criou inúmeros debates acerca de seus requisitos, sendo ocentro de diversos estudos no meio jurídico, tais como no âmbito dos direitos reais,bem como no direito de família, que questionam desde o modo de inclusão do artigo1.240-A no Código Civil, como também seus duvidosos requisitos para o alcance dodireito de usucapir, culminando na dificuldade de se definir qual o juízo competentepara resolver as demandas.Com   o   ingresso   desse   instituto   no   direito   brasileiro,   surgiram   váriasdiscussões a respeito da sua constitucionalidade material, pois para alguns juristas oart.1240-A do Código Civil traz de volta ao nosso ordenamento jurídico a questão daculpa no   fim   das   relações  matrimoniais, algo   que   estava   sem   eficácia  desde  aEmenda Constitucional nº 66/2010.

  • De acordo com o entendimento de alguns juristas, ao voltar com a questão daculpa no  divórcio, a  usucapião familiar  está ferindo o  princípio constitucional  da vedação ao retrocesso, pois, as questões ligadas ao fim das relações conjugais, anorma constitucional finalmente estava acompanhando as mudanças da sociedadeatual.Já para outros doutrinadores, o art.1240-A possui natureza real, não afetandoassim a questão da culpa no fim das relações matrimoniais. Pois para estes juristas,o que o legislador quis ao criar a referida norma, era garantir o direito social àmoradia, que está previsto no art.6º da Constituição Federal de 1988, e tambémgarantir a efetivação do princípio da dignidade humana através da proteção familiardaquele indivíduo abandonado pelo seu consorte ou seu companheiro, garantindoassim, pelo menos, a propriedade exclusiva do imóvel para a sua subsistência e ada sua família.Dessa forma, esses doutrinadores entendem que a usucapião pró-família nãoesteja em confronto com os valores constitucionais. De outro modo, entendem que anorma em questão veio dar efetividade a alguns princípios constitucionais, como aproteção à moradia e ao núcleo familiar, tornando estes princípios abstratos emnormas concretas que visam à garantia também da dignidade humana e do direitofundamental à propriedade com a sua função social.Em que pese a pertinência das críticas acima, devemos entender, também,quando   é   que   estará   configurado   o   abandono   do   lar  conjugal,   que   segundo   oart.1240-A, é o marco inicial para a contagem do prazo para usucapir o bem imóvel.Importante   destacar   que   o   presente  estudo  terá   como   alvo   a   análise   doinstituto   da   Usucapião,   as   novas   fronteiras   do   direito   de   família   brasileiro   e   aimportância da Emenda Constitucional 66/2010 neste avanço.1- USUCAPIÃOSem dúvidas, a usucapião é um dos modos originários mais conhecidos emnosso  ordenamento jurídico   de  aquisição   da  propriedade.  Não   obstante ser   uminstituto muito antigo, a usucapião é um tema atual, e isso se deve, principalmente,ao direito tutelado por ela, qual seja: o direito à propriedade, que visa precipuamentegarantir   a   dignidade   da   pessoa   humana.   Portanto,   cumpre   destacar   que   estecapítulo objetiva discutir acerca do instituto da usucapião de bens imóveis, passando
  • pela   sua   conceituação,   fundamento,   origem,   evolução   histórica,   modalidades   erequisitos.
  • 1.1- CONCEITO E FUNDAMENTOO ordenamento jurídico brasileiro define o instituto da usucapião como sendoa aquisição da propriedade ou de outro direito real pela posse continuada, e durantecerto lapso temporal, mediante o cumprimento dos requisitos legais.Já   preceituava   o   renomado   autor   civilista   Clóvis   Beviláqua   (1929   apudRIZZARDO,   2011,   p.244):   “Usucapião   é   a   aquisição   do   domínio   pela   posseprolongada”.Guilherme Calmon da Gama (2011, p.318) define a usucapião como sendo:O modo de adquirir a propriedade da coisa pela posse continuada, durante certo   lapso   de   tempo,   com   os   requisitos   estabelecidos   em   lei.   Não   se confunde,   pois,   com   os   registros   ou   a   tradição,   tanto   assim   é   que,independentemente do ajuizamento da ação de usucapião, o possuidor setorna proprietário diante da presença e cumprimento dos requisitos legaispara a configuração da usucapião. A sentença de procedência do pedido naação de usucapião é meramente declaratória quanto ao reconhecimento daexistência   de   relação   jurídica   proprietária   que   se   constituiu   com   opreenchimento dos requisitos da usucapião.Segundo  Maria  Helena  Diniz  (2012,   p.172),   “a   usucapião  é  um   modo  deaquisição   da   propriedade   e   de   outros   direitos   reais   (usufruto,   uso,   habitação,enfiteuse, servidão predial) pela posse prolongada da coisa com a observância dosrequisitos legais”.Vale   mencionar   que   para   parte   da   doutrina,   parte   esta   minoritária,   ausucapião corresponde a um modo derivado de se adquirir a propriedade, sob oargumento de que uma outra pessoa já era titular da mesma e, dessa forma, haveriaapenas alteração na relação jurídica de forma subjetiva.No   entanto,   conforme   estudo   doutrinário,   é   importante   ressaltar   que   omencionado   posicionamento   não   deve   prosperar,   posto   que   não   há   nenhumarelação jurídica entre o usucapiente e o antecessor. Pode-se dizer que ocorre osurgimento   de   uma   nova   propriedade,   logo   lhe   falta   uma   das   característicasessenciais da aquisição derivada, qual seja: a transmissão voluntária.Esse entendimento foi inferido a partir dos ensinamentos de Barros Monteiro(1978 apud DINIZ, 2012, p.180), o qual aduz:[...]   pelos   princípios   que   presidem   as   mais   acatadas   teorias   sobre   aaquisição da propriedade é de aceitar-se que se trata de modo originário,uma vez que a relação jurídica formada em favor do usucapiente não derivade nenhuma relação do antecessor. O usucapiente torna-se proprietário não
  • por alienação do proprietário precedente, mas em razão da posse exercida.Uma propriedade desaparece e outra surge, porém isso não significa que a propriedade se transmite. Falta-lhe, portanto, a circunstância da transmissão voluntária que, em regra, está presente na aquisição derivada. Nesse sentido, de acordo com a análise dos conceitos acima expostos, pode-se conceituar a usucapião como sendo um modo de aquisição originário do domínioda propriedade ou de um direito real sobre coisa alheia, mediante a prescriçãoaquisitiva,   cumpridas   as   condições   legais   estabelecidas   para   cada   tipo   deusucapião.Logo, infere-se que seu fundamento se relaciona não somente ao aspectoobjetivo,  qual   seja:  a  posse  mansa e   pacífica,  por   determinado  lapso  temporal;função   socioeconômica   da   propriedade,   mas   também   subjetivo:   negligência   doproprietário   do   bem,   abandonando-o,   no   tocante   à   sua   utilização,   propicia   odesaparecimento   do   direito   sobre   o   mesmo,   proporcionando   a   outrem   aoportunidade de posse da referida coisa.1.2- ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICADe início, é importante mencionar que o vocábulo usucapião deriva do latim“usucapio”, formado pela junção do verbo “capio” (significa tomar) e usu (significapelo uso), significando, assim, tomar alguma coisa pelo uso.Sobre o exposto acima, a renomada autora Maria Helena Diniz (2012, p.170)a duz: O direito romano já a considerava como um modo aquisitivo do domínio emque o tempo figura como elemento precípuo. A própria etimologia da palavraindica isso: capio significa “tomar” e usu quer dizer “pelo uso”. Entretanto,“tomar   pelo   uso”   não   era   obra   de   um   instante;   exigia,  sempre,   umcomplemento de cobertura sem o qual esse capio nenhum valor ou efeitoteria. Consistia esse elemento no fator tempo.Cumpre ressaltar que o instituto teve sua origem na Lei das Doze Tábuas,datada   de   455   a.c,   mediante   aquisição   de   bens   móveis   e   imóveis,   de   formaininterrupta, pela posse durante 1 (um) e 2 (dois) anos, respectivamente, prazosesses pequenos em decorrência da pequena extensão geográfica de Roma.No   Brasil,   o   precedente   mais   antigo   que   se   tem   conhecimento   estárelacionado à proteção da posse frente à função social da propriedade, prevista naLei 601/1850. Esta lei preceituava, em seu art. 5º que: “Serão legitimadas as possesmansas   e   pacíficas,   adquiridas   por   ocupação   primária,   ou   havidas   do   primeiroocupante, que se acharem cultivadas, ou com princípio de cultura [...]”.
  • Acerca   desse   marco   temporal,   Gama   (2011,   p.319)   realiza   as   seguintesconsiderações:No Brasil, em razão da Lei 601, de 18.9.1850 – conhecida como Código deTerras –, houve estímulo à proteção da posse com função social diante dointeresse econômico e social da nação com a produção e o povoamento. Naépoca, admitiu-se a legitimação das posses mansas e pacíficas, adquiridaspor ocupação primária ou havidas do primeiro ocupante, de áreas que jáestavam cultivadas ou com início de cultura e morada habitual do possuidorou de quem o representasse (art. 5 º da referida Lei).Após   isso,   a   Constituição   Federal   de   1934,   proporcionou   aconstitucionalização da usucapião pro labore, que em seu art. 125, preconizava:“Todo brasileiro que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por dez anoscontínuos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, [...] adquirirá odomínio do solo, mediante sentença declaratória”.A  Constituição  Federal  de  1937  manteve,  de  forma  integral, o  dispositivosupramencionado, em seu art. 148. Ademais, o decreto-lei 710/38 determinava queos bens públicos não poderiam seu usucapidos. Já a carta política de 1946, em seuart. 156, inciso III, também manteve a usucapião laboral, fazendo apenas pequenasalterações no seu texto literal, como a substituição da expressão “brasileiro” pela“todo aquele”, além de elevar a extensão do bem a ser usucapido para até vinte ecinco hectares.Com o advento do Estatuto da Terra, Lei 504/1964, este serviu de substratopara a normatização do instituto da usucapião laboral por mais de quinze anos,tendo em vista que as Constituições de 1967 e 1969  não  concederam  nenhumdispositivo constitucional para o tema.Destaque-se que a atual Constituição do Brasil de 1988, dedicou capítulospróprios à política urbana, agrária e fundiária. Além disso, manteve a UsucapiãoEspecial no campo (art. 191) e inovou ao estender a sua aplicação às áreas urbanas(art. 183). Sobre tais inovações, o autor Guilherme Calmon da Gama (2011, p.322)aponta:Tal inovação constitucional, evidentemente, se fazia necessária diante daevolução da sociedade moderna, com a proliferação de pequenas áreasocupadas sem titulação pela população de baixa renda, sem a existência dequalquer infraestrutura, como vias públicas, rede de água e de esgotos,linhas   de   transporte   urbano,   iluminação   pública,   calçamento,   escolas,hospitais, enfim todos os serviços e utilidades necessários à sobrevivênciada espécie humana na área em que habita.Ademais,   o   Código   Civil   de   2002   introduziu   modificações   relevantes   nosistema  jurídico   pátrio   acerca   do   instituto   da   usucapião,   tratando   a   respeito   da
  • usucapião   especial   urbana   e   rural,   da   diminuição   dos   prazos   das   usucapiõesordinária  extraordinária,  além  da relevância  dada   à usucapião familiar,   tema  dopresente artigo jurídico.1.3- MODALIDADES DE USUCAPIÃO E SEUS REQUISITOSA   usucapião   pode   atingir   tanto   bens   móveis   quanto   bens   imóveis.   Nopresente   artigo   jurídico   a   discussão   restringir-se-á   aos   bens   imóveis,   apenas.Cumpre esclarecer que podem ser verificadas no ordenamento jurídico pátrio asseguintes modalidades de usucapião de bens imóveis: a ordinária, a extraordinária,a especial (urbana e rural), a urbana coletiva e a usucapião indígena.1.3.1- Usucapião ordináriaA usucapião ordinária é uma das modalidades de usucapião de bens imóveis,estando prevista no art. 1.242 do Código Civil de 2002, o qual dispõe o seguinte:art. 1.242 – Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínuae incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.Parágrafo único – Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se oimóvel   houver   sido   adquirido,   onerosamente,   com   base   no   registroconstante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que ospossuidores   nele   tiverem   estabelecido   a   sua   moradia,   ou   realizadoinvestimentos de interesse social e econômico. (BRASIL, 2002)Entretanto, se depreendem os seguintes requisitos de tal instituto: dez anosde posse, a qual deverá ser concretizada com ânimo de dono, de maneira mansa,contínua e pacífica, com justo título e boa-fé.Destaca-se que a capacidade usucapiente está disposta no art. 1.196 do CC,expressando que “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.Portanto, verifica-se que a usucapião ordinária pode ter o prazo de dez anos,conforme previsão expressa no caput do art. 1.242, ou de cinco anos, caso se trateda hipótese abrangida pelo parágrafo único do mencionado artigo 1.242.1.3.2- Usucapião extraordináriaA usucapião extraordinária, também chamada de quinzenária, está previstano art. 1.238, do Código Civil, o qual preconiza que:
  • art.1.238 – Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição,possuir   como   seu   um   imóvel,   adquire-lhe   a   propriedade,independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim odeclare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório deRegistro de Imóveis.Parágrafo único – O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anosse o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ounele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. (BRASIL, 2002)Essa modalidade de usucapião possui as seguintes características: possemansa, pacífica, contínua, incontestada e com ânimos de dono; não podendo haverlitigiosidade, posto que perfaria por afastar a presunção de mansidão e pacificidade.Cumpre   ressaltar   que   não   é   exigível   a   posse   de   boa-fé   ou   justo   título,entretanto o animus domini é requisito indispensável para o exercício da usucapiãoextraordinária. E outra característica de fundamental importância para tal instituto é olapso temporal, cuja contagem pode se dar com a soma do tempo de exercício deposse dos antecessores do atual possuidor (BORGES, 2011).Aponta-se que o prazo de quinze anos da usucapião extraordinária, admite-seuma exceção, que vem ser um prazo reduzido para dez anos, desde que cumpridosos requisitos legais dispostos no parágrafo único do art. 1.238, do CC. Nessa esteira, Antonino Borges (2011) afirma que o legislador acertadamenteobjetivou  dar  privilégios  à   posse   produtiva  e  à  posse   moradia,  como  forma  devalorização da fixação do homem no campo, zelando pela sua dignidade humana, otrabalho do homem e a iniciativa privada.1.3.3- Usucapião especial urbanaA   usucapião   especial   urbana,   denominada   por   muitos   de   usucapião   promoradia ou pro morade, possui fundamento  legal no artigo  183 da ConstituiçãoFederal de 1988, sendo que, encontra-se prevista, também, com redação idêntica,no art. 1.240 do Código de Civil e no art. 9 º da Lei 10. 257/01 (Estatuto da Cidade).Desse modo, impende mencionar o referido dispositivo constitucional:art.183 – Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos ecinquenta   metros   quadrados,   por   cinco   anos   ininterruptamente   e   semoposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á odomínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.(BRASIL, 1988)Arnaldo Rizzardo ao lecionar sobre o instituto em análise aduz: “tencionaramos   constituintes   estabelecer   um   direito   para   os   desprovidos   de   bens,   a   seremcontempladas   somente   as   pessoas   sem   moradia   própria.   O   critério   para   a
  • concessão não é apenas a posse naquelas condições, mas a situação econômicado possuidor” (2011, p. 293).Nesse sentido, o enunciado n º 85 da Jornada de Direito Civil esclarece que“para   efeitos   do   art.   1.240,   caput,   do   novo   Código   Civil,   entende-se   por   “áreaurbana”   o   imóvel   edificado   ou   não,   inclusive   unidades   autônimas   vinculadas   acondomínios edilícios”.Imperioso   destacar   que   os   parágrafos   do   art.   183   da   Constituição   daRepública vem complementar o regramento, expondo que, independentemente doestado civil, o título de domínio será conferido tanto ao homem quanto à mulher, oua ambos; não será reconhecido por mais de uma vez o direito ao mesmo possuidor;os   imóveis  públicos   não   se   sujeitam   à   aquisição   pelo   usucapião;   e   o   herdeirolegítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já residano imóvel por ocasião da abertura da sucessão.Isto posto, depreende-se que a usucapião especial urbana representa um dosinstrumentos de fomentação do direito fundamental à moradia, contribuindo, assim,para efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana.1.3.4- Usucapião especial ruralA usucapião especial rural, também conhecida como usucapião especial oupro labore, foi originariamente instituída na Constituição de 1.934, permanecendo naConstituição de 1937 e na Constituição de 1946. Posteriormente, tal instituto foidisciplinado na Lei 6.969, de 10 de dezembro de 1981, sendo elaborada com afinalidade precípua de  regulamentar  a aquisição de  imóveis rurais,  por meio dausucapião especial.O renomado autor, Arnaldo Rizzardo (2011, p.279), em sua obra intitulada“Direito das Coisas” explicita que:Profundas mudanças ocorreram nos últimos tempos no país. Os problemasfundiários   se   propagaram   rapidamente,   proliferando   os   conflitos   entresedizentes posseiros e proprietários. As ocupações de áreas por colonossem-terra passaram a ser uma constante. Como tentativa de solução paraas   questões   originadas   das   ocupações   foi   que   surgiu   a   Lei   6.969,   de10.12.1981, que beneficiou aqueles que se encontravam já na sua posse.Nesse sentido, reza o seu art. 1º:art.1º - Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, possuircomo seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área rural contínuanão excedente de vinte e cinco hectares, e a houver tornado produtiva comseu   trabalho   e nela   tiver   sua   morada,   adquirir-lhe-á   o   domínio,independentemente de justo título e boa-fé, podendo requerer ao juiz queassim o declare por sentença, a qual servirá de título para transcrição noRegistro de Imóveis.
  • Posteriormente a esse período, com a promulgação da Constituição Federalde   1988,   a   usucapião   especial   rural   foi   mantida   no   texto   constitucional,   epraticamente derrogou o previsto na Lei 6.969 sobre o tema. Com efeito, o art. 191,da CF/1988 expõe:art. 191 - Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra,em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva porseu trabalho ou de  sua família, tendo nela sua  morada, adquirir-lhe-á apropriedade.Assevere-se que o Código Civil de 2002 também contempla o instituto emcomento, no seu art. 1.239:art. 1.239 – Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,possua como sua, por 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, área deterra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtivapor seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á apropriedade.Posto isso, conclui-se que a Lei 6.969, o art. 191 da CF/88 e o art. 1.239 doCC/02 disciplinam sobre a mesma figura de usucapião especial.Frente ao exposto, podemos depreender que a usucapião especial rural foimantida na Constituição Federal, trazendo algumas alterações a respeito, dentre asquais destacam-se as mencionadas por Guilherme Calmon da Gama (2011, p.329):“a fixação da área de, no máximo, 50 (cinquenta) hectares; a não vinculação da áreaao módulo rural; e a necessidade de efetiva moradia no local”.Nessa   seara,   é   possível   depreender   que   o   legislador   nacional   tem   porinteresse, ao legiferar  acerca dessa modalidade  de  usucapião, proporcionar aosimóveis a função social, não deixando-os a margem de proprietários negligentes.1.3.5- Usucapião urbana coletivaDe maneira inovadora, o art. 10 da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade) prevêa usucapião especial coletiva de imóvel urbano, dispondo o seguinte: Art.10   –   As   áreas   urbanas   com  mais   de   duzentos   e   cinquenta   metrosquadrados ocupados por população de baixa renda para sua moradia, porcinco   anos, ininterruptamente   e   sem   oposição,   onde   não   for   possívelidentificar os  terrenos  ocupados  por cada possuidor, são  suscetíveis  deserem   usucapidas   coletivamente,   desde   que   os   possuidores   não   sejamproprietários de outro imóvel urbano e rural. (BRASIL, 2001) Vale esclarecer que tal modalidade de usucapião é perfeitamente compatívelcom o texto da Carta Magna. Referente a esse tema, Guilherme Calmon da Gama(2011,   p.   331)   afirma   que   “a   previsão   legal   do   instituto   da usucapião   especialcoletiva   é   perfeitamente   constitucional,   eis   que   veio   a   atender   aos   objetivos
  • constitucionais expressos  no  art.   3º, alicerçados   nos   fundamentos   da   RepúblicaFederativa do Brasil”.Ressalte-se que a usucapião urbana coletiva foi instituída somente para áreasurbanas, não sendo possível fazer a individualização dos lotes ou trechos ocupadospelos moradores. Cabe indagar a respeito do rito a ser seguido na ação dessa modalidade deusucapião, que vem a ser o rito sumário, conforme o art. 14 da Lei 10.257: “Na açãojudicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito processual a ser observado éo sumário”.Ademais,   o   art.   12   da   referida   lei   indica   como   partes   legítimas   para   apropositura da ação o possuidor (isolado ou em litisconsórcio); os possuidores, emestado de composse; e como substituto processual, a associação, regularmenteconstituída,   de   moradores   da   comunidade, desde   que   autorizada   pelosrepresentantes.1.3.6- Usucapião indígenaA   usucapião indígena   foi   instituída   na   legislação   brasileira   por   meio   doadvento do Estatuto do Índio – Lei 6.001/1973, em seu art. 33, o qual aduz: “o índio,integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho deterra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena”.Vale mencionar, conforme o parágrafo único do art. 33 da lei em comento,que não se pode usucapir área do domínio da União ocupada por grupos tribais,assim   como   áreas   reservadas   ao   índio   pelo   Estatuto   ou   terras   de   propriedadecoletiva de grupo tribal.Consoante os ensinamentos de Guilherme Calmon da Gama (2011, p.333), ausucapião indígena possui os seguintes requisitos:São requisitos para a configuração da usucapião indígena: (a) a pessoa deum índio – integrado ou não – como possuidor; (b) área de terras de atécinquenta hectares; (c) posse mansa e pacífica por dez anos consecutivos;(d) área não integrante do domínio público da União, não reservada e nãotitularizada pelo grupo tribal.2- A EMENDA CONSTITUCIONAL 66/10
  • A   Constituição   Federal   de   1988   trouxe   importantes   avanços   à   figura   dodivórcio, abrangendo aos cônjuges uma maior liberdade no planejamento familiar,inclusive no que tange o fim do vínculo conjugal.Todavia,   mesmo   sob   a   égide   de   leis   mais   progressistas,   o   ordenamentojurídico brasileiro persistia na imposição de obstáculos temporais para o alcance dodivórcio.   Desta   feita,   segundo   a   CF/88,   até   2010,   a   dissolução   do   vínculomatrimonial pelo divórcio só poderia ser alcançada após certo lapso temporal, quepoderia  ser de um ano, em casos de separação judicial, ou de dois anos, após aseparação de  fato.Esses   obstáculos,  obviamente, não eram   interessantes  para aqueles   quebuscavam a separação, vez que tornavam o processo mais lento, dispendioso edoloroso. Neste sentido nasceu o Projeto de Emenda constitucional que deu origemà emenda à constituição 66/10, que trazia a seguinte justificativa:A   presente   Proposta   de   Emenda   Constitucional   nos   foi   sugerida   peloInstituto Brasileiro e Direito de Família, entidade que congrega magistrado,advogados, promotores de justiça, psicólogos, psicanalistas, sociólogos eoutros profissionais  que   atuam   no  âmbito   das relações   de família  e   naresolução de seus conflitos.Não mais  se justifica  a sobrevivência  da  separação  judicial,  em que seconverteu   o   antigo   desquite.   Criou-se,   desde   1977, com   o   advento   dalegislação   do   divórcio,   uma   duplicidade   artificial   entre   dissolução   dasociedade   conjugal   e   dissolução   do   casamento,   como   solução   decompromisso entre divorcistas e antidivorcistas, o que não mais se sustenta.Impõe-se a unificação no divórcio de todas as hipóteses de separação doscônjuges, sejam litigiosos ou consensuais. A Submissão a dois processosjudiciais (separação judicial e divórcio por conversão) resulta em acréscimosde despesas para o casal, além de prolongar sofrimentos evitáveis.Os prazos trazidos pelo antigo artigo 226,  §6º, CF/88, representavam umóbice ao livre planejamento familiar e não se harmonizavam com o princípio daafetividade, uma vez que, apesar de não haver mais vontade de estar junto, a leiexigia   que   os   cônjuges   cumprissem   certos   requisitos   temporais   antes   de   sedivorciarem.   Ora,   se   não   há   mais   desejo   de   viver   em   comunhão   que   haja   aseparação, sem a necessidade de cumprir etapas.A proposta de emenda realizada pelo IBDFAM, que se tornou a EC 66/10,buscou diminuir a intervenção estatal na família, suprimindo certos institutos, como aseparação  judicial,  que   não  se   encaixavam  com as   novas  bases   do  Direito   deFamília.A Emenda Constitucional 66/20 10, ao dar nova redação ao § 6.º do art. 226da   CF,   com   um   só   golpe,   alterou   o   paradigma   de   todo   o   Direito   dasFamílias. A dissolução do casamento sem a necessidade de implemento deprazos ou identificação de culpados dispõe também de um efeito simbólico:
  • deixa   o   Estado   de   imiscuir-se   na   vida   das   pessoas, tentando   impor   amantença de vínculos jurídicos quando não mais existem vínculos afetivos.A mudança do texto constitucional suprimiu a necessidade da utilização daseparação judicial como meio para o divórcio, também fez desaparecer qualquerrequisito temporal para o  alcance da dissolução do vínculo conjugal, ou seja,  odivórcio passou a ser um meio direto para separação do casal, seja ele consensualseja litigioso.3- A USUCAPIÃO FAMILIARApós a análise acerca do instituto da usucapião, chega-se o momento deanalisar o foco do presente estudo: a usucapião familiar.Em 16 de Junho de 2011 foi sancionada a Lei 12.424/11. Com o objetivo deregulamentar o programa governamental Minha Casa Minha Vida (PMCMV), o novodispositivo   também   introduziu   no   introduziu   no   ordenamento   jurídico   uma   novamodalidade de Usucapião. Insta destacar que a Lei 12.424/11 foi criada a partir daMedida Provisória 514/10.Imperioso destacar, que a nova modalidade de usucapião não só “nasceu” deforma indireta, já que adveio de uma Lei que não tinha como primeiro objetivo cria-la, mas também, deriva de uma medida provisória, instrumento inadequado pararealização de tal mudança.Então, ainda que seja possível alegar a premente necessidade (urgência) eimportância de uma nova regulação (relevância) no que tange ao Programa “MinhaCasa   Minha   Vida”,   estas   condições   não   estavam   presentes,   e   por   isso   nãoindicavam a possibilidade, para a criação de uma nova espécie de usucapião.Insta mencionar que o artigo 1.240-A, acrescentado pela lei 12.424/11, nãofaz menção alguma ao PMCMV, sendo aplicável a qualquer situação, o que altera,significativamente, todas as relações familiares, principalmente entre os cônjuges ecompanheiros.Ou seja, uma mudança de tal monta foi resultado de um processo de trâmitemuito mais célere, com espaço reduzido de discussão e, urge destacar, fruto de umaMedida Provisória que tinha como foco a regulamentação de um programa social.Paradoxalmente, em que pese todas as críticas ao processo legislativo e até aopróprio texto do artigo 1.240-A, é imperioso destacar que a usucapião familiar é um
  • importante   instrumento   legal   de   proteção   daqueles   que   se   percebem   em   umasituação fragilizada após a quebra do vínculo conjugal ou da união estável.3.1- OS REQUISITOS PARA A USUCAPIÃO FAMILIARO Código Civil, no artigo 1.240-A traz as seguintes disposições acerca dausucapião familiar:Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e semoposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida comex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para suamoradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que nãoseja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.§ 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidormais de uma vez.Os   requisitos   do   artigo   1.240-A   podem   ser   classificados   como   requisitospessoais,   reais,   formais   e   especiais.   Os   chamados   pessoais   são   aquelesrelacionados   às   características   ou   qualidades   do   sujeito   que   busca   usucapirutilizando a usucapião familiar. Destarte, é salutar destacar que o dispositivo emcomento   restringe   a   legitimidade  ad   usucapionem  aos   ex-companheiros   ou   ex-cônjuges, condição ímpar quando comparada às demais espécies do instituto.Os pressupostos reais são aqueles ligados à propriedade, ao bem, que seráusucapido, bem como a relação do usucapiente com a coisa. Desta forma, o caputdo artigo 1.240-A estabelece que o imóvel não poderá exceder 250m², bem como ousucapiente deve ser coproprietário do bem, ou seja, a propriedade da coisa deveriaestar sendo dividida com o consorte que “abandonou” o lar.Os requisitos formais, por sua vez, trazem aspectos ligados ao tempo e àscaracterísticas da posse.Em relação à posse, o artigo 1.240-A exige que esta seja ininterrupta, semoposição, direta e com exclusividade, já o tempo exigido para alcançar o direito é deapenas dois anos, o menor entre todas as espécies de usucapião de bens imóveis.Ademais, existem os requisitos especiais, que podem ser exemplificados, nasoutras espécies de usucapião, como o justo-título, a boa-fé, e que na usucapião pró-família se materializam na impossibilidade de se beneficiar mais de uma vez domesmo direito, de que o usucapiente não possua outro imóvel urbano ou rural e, porfim, o requisito mais controverso da lei e também a maior novidade, a exigência daconfiguração do abandono do lar.
  • Os principais pontos de divergência e crítica doutrinária são a copropriedadedo imóvel pelo usucapiente, o exíguo lapso temporal, a necessidade de separaçãoformal, e, principalmente, o sentido da expressão abandono do lar.3.2- A POSSE, A COPROPRIEDADE E A SEPARAÇÃO DE FATO Igualmente as outras espécies de usucapião já citadas, a usucapião familiarexige do possuidor a posse ininterrupta e sem oposição durante um lapso temporalde dois anos, o artigo 1.240-A inova, todavia, ao também exigir que a posse sejadireta e exclusiva.A posse direta é, segundo o artigo 1.197 do Código Civil, aquela em que opossuidor tem a coisa em seu poder. Ou seja, quando o legislador exige a possedireta ele busca exigir  que  o  cônjuge  remanescente detenha  o  bem  sobre o  seupoder,  enquanto  o cônjuge que saiu do imóvel o possuirá apenas na modalidade daposse indireta. Neste sentido, é imprescindível que o cônjuge ou companheiro quepermaneceu no imóvel esteja residindo nele.Outra   característica   da   posse   é   a   exclusividade,   isto   é,   o   cônjuge   oucompanheiro que buscará usucapir a propriedade deve possuí-la de forma privativa,logo, a   posse   que  antes   era exercida  pelos   dois consortes,   deve   passar a   serexercida por apenas por um deles.Uma inovação trazida pelo artigo 1.240-A é a exigência de que o usucapienteseja coproprietário do bem, algo  sui generis  para o instituto da usucapião, que secaracteriza pela inexistência de vínculo entre o a propriedade e posse do usucapidoe a propriedade e posse do usucapiente em relação ao bem em disputa.Já nas outras espécies da usucapião, o possuidor só se torna proprietário aocumprir  os requisitos legais, já na usucapião familiar o cônjuge ou companheiroremanescente é coproprietário da coisa, ou seja, ele divide a propriedade com ooutro, que, ao se ausentar, poderá perder a sua parcela.Ora,   a   usucapião   tem   por   fundamento   a   posse,   no   caso   a   posse  adusucapionem,   que   se   transforma   em   propriedade  a   partir   do   decurso   temporal.Neste sentido, Orlando Gomes define que a usucapião é “um modo de aquisição dapropriedade, por via do qual o possuidor se toma proprietário”.O objetivo da usucapião é possibilitar que aquele que detém apenas a possepossa alcançar a propriedade, em detrimento do proprietário, que irá perde-la. Não
  • faz sentido, no  instituto da  usucapião, exigir a  propriedade, mesmo que parcial,como um requisito para o alcance do direito, pois este nasce com a posse.Neste diapasão, a exigência da copropriedade não encontra fundamento noconceito e na teleologia do instituto.Portanto,   em   relação   ao   público   alvo,   o   requisito   da   copropriedade   édesnecessário,  sendo   um   catalizador   de   injustiças,   possibilitando   impedir   que   oindivíduo  abandonado,  por   exemplo,   mesmo   ao   cumprir  todos  os   requisitos   emrelação   à   posse,   não   alcance   a   usucapião   pró-família   apenas   por   não   ser   oproprietário.Outro requisito da usucapião pró-família é a imprescindibilidade ou não dodivórcio, ou seja, em casos que o cônjuge busque usucapir é necessário que tenhahavido o divórcio ou apenas a separação de fato?Logo, em uma interpretação literal dos dispositivos, o artigo 1.240-A só seriaaplicável após o divórcio, no caso dos cônjuges. Todavia, mesmo após a EC 66/10,que facilitou o alcance do divórcio, é muito comum, principalmente entre as classesmais baixas, que haja apenas a separação de fato, ou seja, juridicamente aquelasduas pessoas continuam casadas, mas na prática estão separadas.É nesse sentido que a doutrina buscou uma interpretação teleológica da lei,ou seja, o divórcio extingue juridicamente a sociedade conjugal, mas a separação defato do casal, por si só, já caracteriza um afastamento entre os ex-cônjuges, deforma que, a partir deste momento, já é possível a contagem do prazo de dois anos. Portanto, de forma acertada, pacificou-se no entendimento de que a restrição dalegitimidade  ad usucapionem  feita pelo legislador contempla não apenas aquelesseparados pelo divórcio, mas também aqueles separados de fato.3.3- ABANDONO DO LARA maior discussão em relação à usucapião familiar se refere ao requisito doabandono do lar. Sem dúvidas, este é o requisito importante da nova modalidade deusucapião, tanto que a partir da interpretação que lhe seja dada, é possível defenderdesde a inconstitucionalidade do artigo 1.240-A até a sua imprescindibilidade nosdias atuais.A doutrina criou duas linhas interpretativas da expressão “abandono do lar”.Uma delas defende que a expressão está relacionada ao direito de família, portanto
  • seria preciso interpretá-la do mesmo modo que se interpreta o artigo 1.573, IV, CC.Concluem   os   adeptos   deste  raciocínio,  que   a   expressão   “abandono  do   lar”ressuscita   a   discussão   da   culpa   pela   separação,   pois,   de   alguma   maneira,   osinteressados buscarão motivar suas atitudes, culpando sempre o outro.Por exemplo, quando o companheiro sair do imóvel ele buscará, por óbvio,motivar   sua   saída,   para   que   não   seja   considerado   seu   abandono   uma   atitudevoluntária,  e   tenha   como   resultado   a   perda   do   imóvel.   De   forma  que,   a   únicamaneira de  sua   saída   não   ser   tida   como   voluntária   é   culpando  o  companheiroremanescente. Desta feita, a discussão da culpa será trazida de volta às varas defamília, havendo um retrocesso de décadas de evolução jurisprudencial.A consequência desta interpretação é a consideração da lei não só como umretrocesso   para   o   direito   de   família,   mas   também   como   inconstitucional,   pois,segundo a maior parte da doutrina, a EC 66/10 extingui a discussão da culpa daseparação, não podendo uma lei infraconstitucional retomá-la.Todavia, parcela diversa, como a pesquisadora Helena Orselli, defende umainterpretação   diversa   da   acima   apresentada.   Desta   feita,   o   “abandono   do   lar”disposto  no  artigo 1.240-A  deve ser  entendido como  sinônimo  de abandono   doimóvel, de forma que a interpretação seria feita segundo os Direitos Reais.Por esta última interpretação, o abandono estaria ligado estritamente ao bema ser usucapido, uma vez que o dispositivo tutela os direitos reais, de forma que suainterpretação   será   a   mesma   dada   ao   artigo   1.275,   III,   do   CC.   Por   esta   ideia,abandonar significaria cortar relações com o bem, não só deixando de usá-lo, masnão exercendo qualquer exercício possessório.Também é possível defender que a expressão “abandono do lar” significauma interrupção da vida em comunhão e da assistência financeira daqueles quepermaneceram no imóvel. Nessa perspectiva, abandonar é negar o dever solidáriode reponsabilidade, de matriz constitucional.Em que pese as posições acima retratadas, a usucapião por abandono do larexige uma interpretação que busque harmonizar as relações entre os direitos reais eo direito de família, não podendo seguir apenas um desses ramos.
  • 3.4- UMA NOVA INTERPRETAÇÃO DO “ABANDONO DO LAR” E A RESTRIÇÃOPARA APLICAÇÃO DO LAPSO TEMPORAL
  • Como visto anteriormente, é possível interpretar a usucapião familiar tanto noâmbito dos direitos de família, quanto no âmbito dos direitos reais.A nova espécie de usucapião possui uma singularidade marcante, uma vezque ela só pode incidir no seio familiar, pois o artigo 1.240-A é claro ao dispor que apropriedade a ser usucapida era dividida  com o ex-cônjuge ou  ex-companheiro.Logo, apenas é cabível a aplicação do artigo 1.240-A quando estiver presente aunião estável ou o matrimônio.Todavia, a usucapião é um instituto próprio dos direitos reais, de forma que,no   momento   de   aplicação   do   artigo   1.240-A,   é   imperioso   que   haja   umaharmonização entre os ramos dos direitos reais e de família.É imperioso que toda interpretação do novo dispositivo legal seja feita emconsonância com os dois âmbitos do direito civil, consequentemente o abandonodeve ser não só do imóvel, mas também da família.Por  conseguinte,  aquele  que  deixa  de  prestar  contas  com o   imóvel,  masfornece   assistência   aos   filhos,   ou   ao   cônjuge   que   permaneceu   no   imóvel,   nãoconcorreu para o abandono do lar, de forma que a lei não deve puni-lo com a perdada propriedade.Em setembro de 2015, a VII Jornada de Direito Civil publicou o enunciado nº595, que dispõe:O requisito do "abandono do lar" deve ser interpretado na ótica do institutoda   usucapião   familiar   como   abandono   voluntário   da   posse   do   imóvelsomando à ausência da tutela da família, não importando em averiguaçãoda culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado499.Neste mesmo sentido, o lapso temporal de dois anos para usucapir apenasencontra baliza quando se interpreta a expressão “abandono do lar” como abandonoda coisa e da família, pois é nesses casos que é necessária uma tutela mais céleredos direitos daqueles que permaneceram no imóvel, neste sentido Caio Mário:Na espécie, o prazo para conversão da posse em propriedade reduz-se aapenas  dois   anos,   proporcionando   a   tutela   mais   célere   dos   direitos   docônjuge   ou   companheiro   abandonado   pelo   outro,   em   beneficio   dapreservação dos interesses existenciais de todas as pessoas que integrama entidade familiar.Ou seja, é preciso se ater que a saída do lar não gera uma presunção deabandono, pois não pode  a lei  obrigar que duas pessoas continuem a  dividir omesmo espaço.
  • 18O que configura e marca o abandono é a falta no dever de adimplir com asobrigações trazidas pelo bem, cominada com o abandono afetivo, moral e materialdaqueles que permaneceram no lar.Desta forma, apesar da diminuição dos lapsos temporais ser uma tendênciado direito moderno, como bem aponta Flávio Tartuce: “(...) a tendência pós-modernaé justamente a de redução dos prazos legais, eis que o mundo contemporâneo exigee possibilita a tomada de decisões com maior rapidez”, ela deve sempre se ater àscaracterísticas inerentes dos institutos alterados.É salutar, para a coerência da nova espécie de usucapião, que a redução dolapso temporal para   dois anos  tenha  como fundamento   a ocupação  prolongadaaliada a noção de desamparo e abandono total dos que permaneceram no lar.4.5- O JUÍZO COMPETENTEÉ notório que após toda discussão aqui aventada, a maior dificuldade trazidapela usucapião familiar é o seu caráter híbrido. Caminhar entre os direitos reais e odireito   de   família   traz   imensos   obstáculos,   vez   que   é   necessário   realizar   umainterpretação que não ponha em xeque os princípios de cada ramo.Assim, o artigo 1.240-A, por seu caráter híbrido, não deixa claro qual o juízocompetente para o processamento e julgamento dos litígios. Atualmente, a doutrinae a jurisprudência não chegaram a um consenso.A   defesa   da   competência   das   Varas   Cíveis   Comuns   para   apreciar   taisdemandas decorre do fato que, apesar da usucapião Familiar ser aplicável apenasàs relações familiares, ela não deixa de ser uma espécie de usucapião, devendo alide ser processada pelas varas cíveis comuns.Neste   sentido,   e   argumenta-se   que:   “usucapião   familiar   não   se   refere   aestado de pessoas, mas sim a aquisição originária de propriedade imobiliária, cujosefeitos poderão atingir terceiros, a competência para seu julgamento é dos Juízes daVara Cível, e não da Vara de Família”.Além disso, a existência de relação familiar é apenas um dos requisitos dausucapião familiar, não estando ela condicionada a questões do direito de família.Por outro lado, não se deve olvidar que a Usucapião Familiar é baseada narelação de conjugalidade ou de companheirismo, sendo uma espécie diferente deusucapião.   Assim,   para   aplicação   da   Usucapião   Familiar,   é   preciso   o
  • reconhecimento da relação familiar, no casamento ou união estável, o que atrairia acompetência para as varas de família.Não obstante as opiniões em contrário, a competência das Varas de Família éa que se mostra mais adequada para dirimir o feito. Ora, é preciso considerar que alegitimidade ad usucapionem é exclusiva do ex-cônjuge ou do ex-companheiro, nãopodendo um terceiro estranho à relação se beneficiar de tal direito. Neste sentido, háuma restrição de incidência na aplicação do artigo 1.240-A, vez que este só pode seraplicado às entidades familiares.Portanto, apesar da usucapião ser um instituto dos direitos reais, a aplicaçãodo artigo 1.240-A é decorrente de fatores inerentes ao Direito de Família, como odivórcio ou a separação, além de incidir apenas quando comprovada a existência deuma   entidade   familiar,   e   do   abandono   do   lar,   o   que   realça   a   importância   daespecificidade que caracteriza as Varas de Família.CONCLUSÃOA   propriedade   vem   sendo   redefinida   pelo   ordenamento   jurídico   pátrio.   Afunção   da   usucapião   é   dar   à   propriedade   uma   função   social.   Aquele   que   éproprietário, mas não utiliza o bem, está sujeito a perda deste em detrimento dopossuidor que o utilize economicamente ou como moradia, desde que esse uso sejade forma mansa e pacífica.A usucapião familiar, acrescentada ao ordenamento pátrio em 2011, buscainserir na propriedade uma função familiar, ou seja, o principal objetivo da novaespécie   de   aquisição   da   propriedade   é proteger   o   cônjuge/companheiroabandonado.A maior dificuldade trazida pela usucapião por abandono do lar é que, apesarde estar inserida nos direitos reais, como espécie de usucapião que é, detém, poroutro   lado,   fortes   características   e   influência   no   direito   de   família.Consequentemente, por algum tempo, a doutrina teve dificuldade em realizar umaanálise correta desta nova modalidade de usucapião.A conclusão do presente artigo é que, por conta da forte interferência que oartigo 1.240-A tem nas famílias, é preciso que seus requisitos sejam interpretadosde forma harmônica entre os direitos reais e o direito de família. Como exemplo,basta analisar o requisito “abandono do lar”, que, como já demonstrado, deve ser
  • interpretado como abandono do bem e da família, pois, análise diversa, destoaria dafunção familiar que é buscada pela nova espécie de usucapião, ou traria de volta adiscussão da culpa pela separação, o que consistiria em um perigoso retrocesso.Desta feita, é possível perceber que o artigo 1.240-A representa uma maiorproteção   àqueles   que   se   encontram   em   situação   de   abandono,   diminuindo   ainsegurança   jurídica   existente   em   casos   de   saída   de   um   dos   cônjuges   ou companheiros  com o  qual   a   propriedade   era   compartilhada.  Logo,  em caso   de inércia   daquele   que   abandona   o   núcleo   familiar,   o   cônjuge/companheiro,   que permaneceu no imóvel, destinando-o à sua moradia, poderá adquiri-lo, de forma completa, ao final do lapso temporal de dois anos. Resta claro que, ao definir um prazo temporal de dois anos para a conquistada propriedade em sua totalidade, o que a lei busca é permitir a rápida solução de uma   situação que   já   está   definida,   impedindo   que   a   insegurança   quanto   à propriedade se prolongue no tempo. A Usucapião Familiar, por fim, busca não só visualizar na propriedade uma função social, mas também uma função familiar, pois retira a propriedade daquele que abandonou a família e o bem, garantindo, àqueles que permaneceram, o direito à moradia.

    Por: Renata Alves
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